O suicídio no Rio Grande, por Ricardo Nogueira
*Lamentavelmente, no início deste mês, vivenciamos a morte da nossa eterna professorinha Lu, personagem interpretada por Leila Lopes na novela Renascer. Creio que nossa gaúcha desejava exatamente isso: renascer.
A lição que nos deixa é de que o suicídio é um problema de saúde pública que atinge o nosso Estado por inteiro. Não se trata de um problema individual, mas de alcance social.
Nosso Estado apresenta a maior incidência e prevalência de suicídios do país. Em alguns meses, os números de suicídios são muito próximos dos homicídios. Em algumas cidades, temos números semelhantes aos dos países que lideram essas cifras. Das 50 cidades brasileiras que mais apresentam suicídios, o RS entra com 10 localidades.
Diante dessa situação, levamos esse quadro até o Ministério da Saúde, que nos financiou uma pesquisa para traçarmos o perfil dos suicídios em quatro municípios gaúchos e produzirmos um manual de prevenção ao suicídio.
Esses dados preliminares foram apresentados pelos pesquisadores no Congresso Mundial de Prevenção ao Suicídio, em Montevidéu, e no 27º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em São Paulo. Diante de dados tão robustos, recebemos apoio para continuarmos nossa pesquisa no próximo ano em mais 14 municípios de nosso Estado.
O que nos chama a atenção são os novos dados presentes em nosso estudo, que mostram que em 2008 tivemos 1.151 suicídios no RS. Recentemente tivemos 200 mortes pelo vírus H1N1, que provocaram uma comoção geral. No caso dos suicídios, notamos uma perplexidade, entretanto ainda sem a mesma resposta da outra situação.
Contudo, podemos afirmar que existem tratamentos exitosos para as situações de risco de suicídio. Assim como Suécia, Noruega, Dinamarca, Israel e outros países reverteram os seus números, nós pretendemos o mesmo com os mesmos instrumentos aplicados.
Uma questão que se faz mister discutir nesse momento em relação ao suicídio é o papel da mídia. Alguns órgãos se calam com medo de que ocorra o contágio, que noticiar o assunto estimularia o mesmo. Seria a ideia da síndrome de Verona, pela qual os adolescentes se suicidavam para competir entre si para ver qual seria o corso funerário mais belo. Até que um dia, o bispo local determinou que todo jovem suicida seria velado nu de cabeça para baixo, na praça da matriz. Resultado: zero suicídio a partir daí.
Não temos esse poder, mas não podemos nos calar diante de uma situação que atinge altamente os jovens das grandes cidades, os lavradores do nosso Interior e que é uma das três principais causas de morte das pessoas entre 15 e 44 anos. No ano 2000, cerca de 1 milhão de pessoas se suicidaram no mundo. Infelizmente, temos uma tradição de suicídios no Rio Grande, que deve ser interrompida. Assim como combatemos o câncer inicialmente, a aids posteriormente e atualmente o crack, temos que usar os mesmos métodos, por meio de uma rede de multiplicadores que divulgarão, orientarão e supervisionarão esse trabalho. À sua dissertação de mestrado sobre o suicídio, Heck M.R. deu o seguinte título: Suicídio: um grito sem eco (Ed. Ufpel; 1994). Quinze anos depois, creio que chegou o momento de revertermos isso.
Num primeiro momento, propomos a criação de uma Rede Intersetorial Social de Prevenção ao Suicídio e a aplicação do manual de prevenção ao suicídio em toda rede de saúde, segurança, social e de educação. A criação dos grupos de sobreviventes, a expansão do atendimento, similar ao do Centro de Valorização à Vida através de um número nacional, tipo Samu, por exemplo. Essas são propostas concretas, baseadas em uma pesquisa atualizada, que não podem mais esperar que outras professoras Lu sejam vítimas de si mesmas e da nossa passividade. O suicídio tem prevenção e as tentativas, tratamento.
Fonte: www.zerohora.com
-
